Aqui e em outros espaços, não são poucas as críticas que circulam diariamente sobre os efeitos produzidos e pretendidos pela comunicação de massa. No que se refere à televisão brasileira, parece haver consenso quanto ao fato que a qualidade da produção é de um esmero técnico inquestionável, sobretudo quando comparada à de outros países.
E em termos de promover o entretenimento do público, pode-se dizer que a TV brazuca bate um bolão. Entretanto, como entretenimento e qualidade de conteúdo jamais serão obrigatoriamente sinônimos, não são poucos os produtos da televisão brasileira que, embora tenham bom desempenho de público, têm uma estrutura estética (e até ética e moral) que ora beira o freak, ora a mediocridade sensacionalista repetitiva e tediosa que parece inspirar-se na idade da pedra do veículo.
Embora se diga isso e mais um pouco da televisão brasileira e de outros suportes que compõem a mídia nacional, incluindo jornais impressos, revistas, sites e afins, é fato que raríssimas vezes um
deles foi flagrado fazendo algo irremediavelmente feio e grave em nome da alavancagem da audiência e da venda. Quem tem uma memória razoável deve lembrar vagamente que Gugu Liberato um dia inventou um falso líder do PCC, organização criminosa de São Paulo, e enfiou-lhe um capuz preto de tricô, a pretexto de dar um furo de “showrnalismo”. Era mentira, mas os únicos prejudicados com a invenção foram o programa e o apresentador, ridicularizados.
FURO - Mais recentemente, em 2009, um deputado estadual do Amazonas que tinha um desses programas mundo cão na TV em Manaus foi denunciado por encomendar mortes, para exibir corpos em sua atração televisiva.
Fazia isso, ao que se apurou, para não perder audiência nos dias em que ocorria a fatalidade de não haver um único cadáver em Manaus. Encomendava a morte de traficantes. Foi julgado, condenado, saiu do ar e depois morreu, mas de morte morrida. E agorinha mesmo uma caricatura dessas que dizem tudo sobre nada na TV inventou e mandou anunciar, dizem, a própria morte de mentira, como uma estratégia para dar ibope a si mesmo em um quadro de fofoca que estava prestes a estrear na emissora para a qual trabalha e que, inclusive, deu ‘o furo’ da falsa
morte.
Fora isso, apenas casos isolados e tão bizarros quanto estes citados marcam mais pela picardia e pelo amadorismo das besteiras que são ditas, publicadas ou mostradas do que pelas consequências nefastas que produziram sobre a história da imprensa e dos sistemas de mídia no Brasil. Referindo-se à mídia do outro lado do mundo, no entanto, durante as duas últimas semanas, a televisão e a imprensa escrita no Brasil acompanharam um marco vergonhoso e a um só tempo comemorável envolvendo um mesmo veículo de comunicação.
Pelas razões que já se sabe, entre elas que televisão gosta mesmo é de fluxo, velocidade e superfície e tende a não levar muito jeito com profundidade e complexidade quando se trata da cobertura de assuntos que não falem muito de perto ou diretamente aos intestinos e às vísceras do senso comum, as emissoras de TV aberta no país cobriram de forma sucinta o fechamento do jornal impresso inglês The News of The World, após uma existência de 168 anos. O fechamento, após um escândalo causado pela descoberta de que o jornal grampeou, ao longo dos últimos anos, centenas de telefones de gente famosa, vítimas de crimes, criminosos, famílias de ambos e até dos soldados mortos na Guerra do Iraque e de suas famílias, escancarou aquilo que quem se interessa por informação há muito já sabia: a Inglaterra é capaz de produzir a pior e a melhor imprensa do mundo.
LIXO - O jornal, que vendia como pão quente apostando todas as fichas na revelação da vida privada de autoridades, criminosos, vítimas, famosos e nem tanto, um dos braços mais rentáveis de um dos mais influentes e poderosos barões da mídia no mundo, o australiano Rupert Murdoch, caiu em desgraça com a Justiça e o Governo quando se descobriu que seus repórteres violaram a caixa postal do telefone celular de Milly Dowler, uma menina de 13 anos, assassinada. Com a revelação, pela imprensa concorrente, do crime de violação e espionagem do telefone da garota, abriu-se para Murdoch uma caixa de pandora de onde não param de sair desgraças e prejuízos financeiros de milhões de dólares, envolvendo não apenas o fechamento do jornal, mas
perda de receita publicitária em outros veículos de seu grupo e impedimentos de aquisição de ações da maior empresa de TV a cabo inglesa.
A questão, portanto, é: embora a vida do vizinho pareça ser sempre boa, do seu lixo saem coisas tão podres quanto a de quem o inveja. O complexo de mídias no Brasil tem seus defeitos e não são poucos, mas a ribanceira de Rupert escancara a velha tese de que não somos nem melhores nem piores que os outros. Especificamente sobre a televisão brasileira, isso não resolve o problema da qualidade do conteúdo brasileiro, mas para quem diz que sequer consegue vê-la por esta razão, talvez valha pensar que o buraco nem é tão mais fundo assim: quem tem ou teve oportunidade de ver a TV dos outros sabe que lixo é lixo em qualquer lugar, mas está longe de ser privilégio da TV brasileira.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador/BA
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