O TESTE DO SOFÁ E O GAROTO DE MALUF
Malu Fontes
Poucas
imagens do jornalismo causaram tanto alvoroço e repercussão nos últimos tempos
quanto as fotografias e cenas exibindo em multiplicidades de poses o
ex-presidente Lula, seu candidato à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, e
o nome mais associado à corrupção no Brasil nas últimas quatro décadas: Paulo
Maluf. A cena soava pornográfica até mesmo para quem acredita mais em duende
que em coerência política. Lula e Maluf felizes e sorridentes, tendo ao meio um
Haddad aparentemente constrangido de riso amarelado. Os três abraçados, nos
jardins imperiais da mansão de Maluf, para onde o anfitrião os atraiu sob o
álibi de selar e anunciar seu apoio eleitoral à chapa petista. Ofereceu uma
feijoada e fez questão de encerrá-la na área verde externa do seu bunker
malufista, sob o olhar de fotógrafos e cinegrafistas convocados para
imortalizar o tão inusitado encontro na memória política do país.
TESTE
DO SOFÁ – Pragmático e sempre ancorado nos argumentos do cinismo que são
peculiares à média da classe política brasileira, Maluf deu a tônica da
essência das coisas quando perguntado sobre onde teriam ido parar os resquícios
ideológicos partidários que separavam esquerda e direita. Segundo anunciou-se
no jornalismo político, a sua resposta teria sido algo do tipo: já não existe
nem direita, nem esquerda. O que existe são segundos na TV. Ou seja, os
abraços, os tapinhas, a feijoada com direito a cenas públicas de afagos nos
jardins impostos a (e imediatamente aceitos por) Lula em troca do apoio de
Maluf à candidatura de Haddad seriam uma versão eleitoral do teste do sofá.
Há
quem diga que, ao longo da história da televisão brasileira (quiçá do mundo,
quiçá do cinema internacional), muitas mulheres lindas, com ou sem talento,
precisaram submeter-se ao famoso teste do sofá, oferecendo seus encantos a
algum diretor ou chairman poderoso das emissoras para, assim, obter
oportunidade e espaço na telinha. Pois bem, esta campanha eleitoral que se
aproxima será uma campanha antecedida e marcada pelo ‘teste do sofá’, onde
alhos e bugalhos estão se misturando sem qualquer pudor desde que sentar no
sofá do ex-opositor signifique uns segundinhos a mais no horário eleitoral
gratuito.
CINISMO
- Foi isso que Lula foi fazer com Haddad na mansão de Maluf: o teste do sofá.
Em troca dos preciosos tempinhos do partido de Maluf na TV no horário eleitoral
gratuito. Do mesmo modo, por aqui, na Bahia, o DEM também apelou para a mesma
estratégia assediando o Partido Verde e uma militante dos movimentos sociais da
periferia e do movimento negro. Se um dia o DEM de ACM Neto já contestou
juridicamente as cotas raciais na universidade e agora tem como vice Célia
Sacramento, uma árdua defensora das cotas, os antagonismos entre ambos, como
diria Maluf, não mais importam. O que importa são os preciosos segundos na TV
que o casamento político do DEM com o PV proporciona à campanha eleitoral.
E
na onda do teste, o cinismo se espraia sem qualquer resquício de pudor. O
próprio ex-presidente Lula, ao posar com a presidente Dilma durante a Rio+20,
dois dias após posar com Maluf e um dia após a ressaca política de ver a vice
do seu candidato, a ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, recuar da chapa
alegando repulsa às imagens da véspera, saiu-se com um trocadilho infame.
Referiu-se à foto com Dilma como sendo ambientalmente correta, numa oposição à
politicamente incorreta, literal, com Maluf. No mesmo evento, o governador da
Bahia, Jaques Wagner, também se sentindo confortável no posto de piadista
experimental disse que em tempos de Rio+20 era preciso ver a aliança com Maluf
num contexto em que sustentabilidade pressupõe não exterminar qualquer espécie
[política]. Muito engraçado, governador. Além disso, para Wagner, para vencer
as eleições em São Paulo vale o esforço de aliar-se a Maluf.
‘MEU
GAROTO’! - Entre o teste do sofá visando a campanha eleitoral na TV, que logo
entrará nos lares brasileiros assustando o telespectador que tiver estômago
para assisti-lo, e as imagens de Lula no bunker malufista, a cena mais
tradutora da canastrice bufa do encontro talvez seja a de Paulo Maluf passando
a mão nos cabelos recém-cortadinhos de Haddad. Vista na TV e nos jornais a
imagem parecia pedir desesperadamente uma legenda. Poderiam ter tomado-a
emprestada do bordão de um dos personagens antológicos de Chico Anísio. Quem
não lembra da dupla de palhaços Cascata (Chico) e Cascatinha (Castrinho), cujo
bordão era: ‘meu pai-pai!; meu garoto!’? À luz da imagem, Maluf transformou
Haddad no garoto de Maluf.
Malu
Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da
Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 24 de junho de 2012, no jornal A
Tarde.
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