Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA

sábado, fevereiro 12

Uma provocação à covardia e à omissão


Malu Fontes

A entrada em vigor da Portaria do Ministério da Saúde tornando a violência doméstica e sexual praticada contra a mulher um item da LNC (Lista de Notificação Compulsória) representa mais do que um avanço nas políticas públicas de garantia à segurança de pessoas vulneráveis. É uma provocação extremamente saudável à covardia da sociedade brasileira diante das barbaridades que ainda continuam a ser cometidas contra as mulheres em pleno século 21.
A postura de parte da população brasileira ao travestir seu machismo conivente e hipócrita e sua covardia é tão confortável que adotou um bordão abjeto dito cotidianamente e praticado na mesma proporção, como um signo do silêncio compactuador de quem acha normal um homem agredir uma mulher, desde que entre eles haja uma relação amorosa, seja ela viva ou morta. Quem neste país nunca ouviu de ninguém a infame filosofia segundo a qual "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher" ganha um atestado eterno de surdez. Um bom exercício masculino de desconstrução dessa bobagem é imaginar no lugar dessa mulher genérica as suas filhas, irmãs, mães.
Quando o Ministério da Saúde estabelece que não apenas os profissionais de saúde, mas também da área de educação, devem notificar as secretarias de saúde os sinais de violência doméstica e sexual, é fato que, por mais que esses profissionais acovardem-se diante deste chamamento, temendo eventuais represálias por parte do agressor, a mera existência da compulsoriedade obriga todos a refletirem mais sobre sua responsabilidade, omissão ou atitude. E por que as próprias mulheres não fazem sozinhas a denúncia? Ora, porque está mais do que provado que, em muitos casos, essa atitude, ao invés de evitar, potencializa as agressões que já vêm sofrendo. Medo, se é que alguém despreza esse sentimento.
Um aspecto fundamental dessa compulsoriedade é o fato de estabelecer na sociedade, via políticas públicas, uma espécie de rede de apoio para além da família e dos amigos que frequentemente se omitem diante de agressões contra as mulheres por fazerem parte do grupo social que circula cotidianamente em torno do casal ou da família em que há episódios de violência. Outro mérito é o fato de se tratar de uma medida adotada no campo da saúde, convocando a sociedade a denunciar a violência a instituições deste campo e não à Polícia, à Justiça ou à Segurança Pública, o que contribui para a quebra do medo de comprometimento por parte do denunciante.
Para além e aquém das medidas legais e governamentais que buscam garantir cada vez mais a proteção das mulheres diante da desproporcionalidade de forca física perante os homens e do machismo ancestral brasileiro, que às vezes parece incurável, cabe às mulheres a sutileza de entender cotidianamente que são os seus filhos os potenciais cidadãos que respeitarão suas companheiras e filhas no futuro ou os potenciais agressores bárbaros que continuarão repetindo esse padrão podre de comportamento masculino que adoece, mata e mutila milhares de mulheres neste pais.
Texto integral cuja versão, editada em alguns trechos, foi publicado oiriginalmente no Primeiro Caderno do jornal A Tarde, no contexto de uma matéria ampla sobre violência familiar.

Um comentário:

  1. Anônimo2/13/2011

    E a violência contra mulher cresce cada dia mais, não há lei que controle esta barbárie.
    Parabéns pelo artigo, gostaria de ler a matéria completa -citada no texto.
    Luiza de M. Bastos=MG

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