Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA

quinta-feira, junho 28

Os três abraçados, nos jardins imperiais da mansão de Maluf


O TESTE DO SOFÁ E O GAROTO DE MALUF


Malu Fontes
Poucas imagens do jornalismo causaram tanto alvoroço e repercussão nos últimos tempos quanto as fotografias e cenas exibindo em multiplicidades de poses o ex-presidente Lula, seu candidato à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, e o nome mais associado à corrupção no Brasil nas últimas quatro décadas: Paulo Maluf. A cena soava pornográfica até mesmo para quem acredita mais em duende que em coerência política. Lula e Maluf felizes e sorridentes, tendo ao meio um Haddad aparentemente constrangido de riso amarelado. Os três abraçados, nos jardins imperiais da mansão de Maluf, para onde o anfitrião os atraiu sob o álibi de selar e anunciar seu apoio eleitoral à chapa petista. Ofereceu uma feijoada e fez questão de encerrá-la na área verde externa do seu bunker malufista, sob o olhar de fotógrafos e cinegrafistas convocados para imortalizar o tão inusitado encontro na memória política do país. 

TESTE DO SOFÁ – Pragmático e sempre ancorado nos argumentos do cinismo que são peculiares à média da classe política brasileira, Maluf deu a tônica da essência das coisas quando perguntado sobre onde teriam ido parar os resquícios ideológicos partidários que separavam esquerda e direita. Segundo anunciou-se no jornalismo político, a sua resposta teria sido algo do tipo: já não existe nem direita, nem esquerda. O que existe são segundos na TV. Ou seja, os abraços, os tapinhas, a feijoada com direito a cenas públicas de afagos nos jardins impostos a (e imediatamente aceitos por) Lula em troca do apoio de Maluf à candidatura de Haddad seriam uma versão eleitoral do teste do sofá.

Há quem diga que, ao longo da história da televisão brasileira (quiçá do mundo, quiçá do cinema internacional), muitas mulheres lindas, com ou sem talento, precisaram submeter-se ao famoso teste do sofá, oferecendo seus encantos a algum diretor ou chairman poderoso das emissoras para, assim, obter oportunidade e espaço na telinha. Pois bem, esta campanha eleitoral que se aproxima será uma campanha antecedida e marcada pelo ‘teste do sofá’, onde alhos e bugalhos estão se misturando sem qualquer pudor desde que sentar no sofá do ex-opositor signifique uns segundinhos a mais no horário eleitoral gratuito.

CINISMO - Foi isso que Lula foi fazer com Haddad na mansão de Maluf: o teste do sofá. Em troca dos preciosos tempinhos do partido de Maluf na TV no horário eleitoral gratuito. Do mesmo modo, por aqui, na Bahia, o DEM também apelou para a mesma estratégia assediando o Partido Verde e uma militante dos movimentos sociais da periferia e do movimento negro. Se um dia o DEM de ACM Neto já contestou juridicamente as cotas raciais na universidade e agora tem como vice Célia Sacramento, uma árdua defensora das cotas, os antagonismos entre ambos, como diria Maluf, não mais importam. O que importa são os preciosos segundos na TV que o casamento político do DEM com o PV proporciona à campanha eleitoral.

E na onda do teste, o cinismo se espraia sem qualquer resquício de pudor. O próprio ex-presidente Lula, ao posar com a presidente Dilma durante a Rio+20, dois dias após posar com Maluf e um dia após a ressaca política de ver a vice do seu candidato, a ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, recuar da chapa alegando repulsa às imagens da véspera, saiu-se com um trocadilho infame. Referiu-se à foto com Dilma como sendo ambientalmente correta, numa oposição à politicamente incorreta, literal, com Maluf. No mesmo evento, o governador da Bahia, Jaques Wagner, também se sentindo confortável no posto de piadista experimental disse que em tempos de Rio+20 era preciso ver a aliança com Maluf num contexto em que sustentabilidade pressupõe não exterminar qualquer espécie [política]. Muito engraçado, governador. Além disso, para Wagner, para vencer as eleições em São Paulo vale o esforço de aliar-se a Maluf.   

‘MEU GAROTO’! - Entre o teste do sofá visando a campanha eleitoral na TV, que logo entrará nos lares brasileiros assustando o telespectador que tiver estômago para assisti-lo, e as imagens de Lula no bunker malufista, a cena mais tradutora da canastrice bufa do encontro talvez seja a de Paulo Maluf passando a mão nos cabelos recém-cortadinhos de Haddad. Vista na TV e nos jornais a imagem parecia pedir desesperadamente uma legenda. Poderiam ter tomado-a emprestada do bordão de um dos personagens antológicos de Chico Anísio. Quem não lembra da dupla de palhaços Cascata (Chico) e Cascatinha (Castrinho), cujo bordão era: ‘meu pai-pai!; meu garoto!’? À luz da imagem, Maluf transformou Haddad no garoto de Maluf.


Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 24 de junho de 2012, no jornal A Tarde.

segunda-feira, junho 4

TELEANÁLISE




DO 'XOURNALISMO' DE XUXA À BELA E AS FERAS


A semana jornalística começou sob o prognóstico de que as declarações de Xuxa ao Fantástico, anunciando que fora abusada sexualmente reiteradas vezes da infância, até os 13 anos e por diferentes homens adultos, dariam o tom da repercussão facinha do jornalismo de fofoca e, sobretudo, das redes sociais.  Em Salvador, no entanto, a metamorfose da versão da Rainha dos Baixinhos de 'Xou da Xuxa' para 'showrnalismo do eu', a fórmula batida de jornalismo de celebridade em que famosos expõem intimidades e dizem coisas no divã eletrônico da TV que algumas pessoas levariam anos gastando os tubos para falar ao analista, teve a cena roubada pelo showrnalismo dos PPPs, o jornalismo sensacionalista que deita e rola sobre os presos pobres da periferia e só falta bater continência para presos de operações milionárias.

BOIADA - Em Salvador, com repercussão para além da cidade e do Estado, uma repórter de um dos programas televisivos populares foi espinafrada após algo que alguns chamam de entrevista, dela com um suposto garoto acusado de estupro, cair na rede e provocar um efeito retardado, mas acachapante sobre a moça. Os artigos indefinidos usados até aqui, uma repórter, um programa, não é um caso de cuidado em não dar nome aos bois. Ao contrário, é uma forma de abranger a boiada. A moça, loura, jovem, rica, ao fazer troça com um encarcerado preto e pobre foi atirada aos leões, mas sozinha.

De injustiça, as acusações à moça não têm nada, mas daí a usá-la, sozinha, como boi de piranha e bode expiatório da fórmula jocosa como presos e acusados do que quer que seja são entrevistados pelo formato de telejornalismo que hoje viceja sob aplauso popular (segundo mostra a audiência) e sob o silêncio da Justiça e do Estado, é hipocrisia da boa. Moiçolos que fizeram fama como entrevistadores e apresentadores desse tipo de programa, apenas mais feiosos que Mirella Cunha e com maior concentração de melanina, repetem todos os dias o mesmo comportamento jocoso que o do vídeo dela que correu as redes com um poder quase viral.

FERAS - E quem nunca assistiu a nada parecido é porque, em nome do bom gosto ou de um comportamento blasè intelectual prefere arrotar coisas do tipo: ah, eu não vejo lixo. Pois quem sabe se o "lixo" viesse sendo visto mais de perto, inclusive pelas autoridades que agora anunciam o enquadramento legal da moça nas letras constitucionais, saber-se-ia, de há muito, que ela é tão somente a mais nova e bonitinha cria desse gênero de entrevistador/a na Bahia. E não duvidem: deve ter sido escolhida a dedo justamente por sua lourice, juventude, fashionice e beleza. Ela cabe como uma luva num personagem que os programas concorrentes ainda não tinham: a Bela, para ser explorada no vídeo como contraponto às feras entrevistadas, ou seja, os bárbaros que TODOS os programas dessa natureza, que se estapeiam cotidianamente pela audiência, sobretudo na grade vespertina, exibem como as feras e os monstros que levam alguns telespectadores a salivar sonhando com a pena de morte.

O diálogo da Bela com seu entrevistado soa abjeto aos olhos dos defensores da igualdade de direitos entre presos A e presos B? Sim, ninguém há de negar. Mas antes de a transformarem na Geni solitária, que tal fazer um rastreamento analítico de seus colegas de função na concorrência para conferir suas performances? E os delegados que permitem tal nível de jocosidade nos espaços do Estado em troca do capital simbólico que angariam com o telespectador que quer sangue? E o governador, que quase que mensalmente faz uma ronda nas emissoras batendo o ponto como entrevistado nesses mesmos programas que os críticos chamam de escória? E se no resto do tempo é só desgraça nas cenas desses programas, nos dias de ronda do governador nos estúdios todos os apresentadores só lhe fazem perguntas do tipo escada, aquelas que garantem respostas bonitas ou burocráticas.

CACHOEIRA - Crucificar Mirella é fácil. Mas cadê peito e de quem para evitar que rotineiramente seus colegas presepeiros perguntem de um tudo a quem não tem advogado para poder ficar calado? Carlinhos Cachoeira ficou em silêncio quase 3 horas no Congresso, recusando-se a responder, sob as bênçãos do lastreado Márcio Thomaz Bastos, qualquer pergunta dos nobres senadores da República. E tudo bem. Na TV baiana, se qualquer preso ou acusado pobre insinua uma resposta hostil, os coleguinhas de Mirella, sob as bênçãos dos delegados em busca de flash, gritam logo: respeite o repórter! Ah, tá. O mesmo garoto que é trollado pela Bela, no dia em que foi preso, passeou, no mesmo dia, pelas telas da concorrência. E quem disse que foi abordado de forma muito diferente pelos outros entrevistadores e apresentadores? Mirella não está só em seu modus operandi, ao contrário do que, agora, querem fazer crer seus concorrentes.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA

domingo, abril 29


NINGUÉM É INOCENTE EM BRASÍLIA

Malu Fontes
A afirmação deste título não é literal. Em princípio é um arremedo tomado emprestado do título quase homônimo do livro de contos do escritor paulistano Ferréz: ninguém é inocente em São Paulo, sobre a guerra social e a violência vividas nos arredores do Capão Redondo, na periferia da capital paulista. Depois, a Brasília deste título não é a Brasília literal, não envolve os brasilienses que tocam suas vidas como todo e qualquer cidadão brasileiro. Refere-se, portanto, ao núcleo duro que dá as cartas do poder político do país, a aqueles que decidem como a máquina administrativa brasileira faz tocar a banda no resto do país.

Há sucessivas semanas, a imprensa brasileira não fala em outra coisa senão no escândalo envolvendo a quadrilha de Carlinhos Cachoeira. Desde o mensalão não se via tanto cachorro grande envolvido num escândalo político e sendo citado todos os dias em tudo o que é telejornal, em gravações para lá de constrangedoras. Mas não deixa de ser curioso que, diante de acordos criminosos dessa natureza, os detentores de cargos políticos (deputados, senadores, governadores) ainda continuem sendo apontados pela população brasileira como os protagonistas exclusivos desse tipo de estripulia com o dinheiro público.

TUBA DO BICHEIRO – A imprensa está aí todos os dias escancarando, embora a maioria dos leitores, telespectadores, cidadãos, enfim, resistam bravamente em enxergar, que é impossível existir corruptos sem que existam corruptores do mesmo quilate. Neste aspecto, as esteiras de crimes desfiladas diariamente nos telejornais brasileiros locais e nacionais, de um lado sobre casos de violência urbana praticados por grandes quadrilhas organizadas e, por outro, sobre grandes golpes envolvendo corrupção, têm algo em comum. Assim como nas organizações criminosas que protagonizam casos de violência quase sempre existem policiais envolvidos, nos casos de corrupção invariavelmente está a presença ostensiva e endinheirada de empresários dispostos a tudo para corromper representantes do poder público.

JORNALISTAS - Do episódio Carlos Cachoeira, que de Goiânia comprava o Brasil, passando por congressistas de pelo longo a pelo nenhum, empresários, grandes construtoras e até mesmo jornalistas de alta plumagem de veículos renomados, aos quais o bicheiro dava de bandeja gravações clandestinas cheias de segredo sobre gente poderosa, emerge a cada dia um personagem novo. Se no princípio da coisa era apenas o senador Demóstenes Torres a surpreender seus eleitores que, de uma hora para a outra, viram que a nudez do paladino da ética no Senado ia muito além da careca, o fato é que, de lá para cá, não para de sair gato da tuba de Cachoeira.

Esta semana foi a vez de entrar na cena do angu o empresário, construtor e novo rico Fernando Cavendish, amigo tipo unha e cutícula do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, do PMDB, partido que, sob a indicação do maestro Renan Calheiros, dará parte generosa das cartas na CPI que vai investigar as teias de Cachoeira e suas relações com o mesmo Cavendish. Para quem tem memória curta, o Google tá aí para rememorar que a queda de um avião de grã-finos num paraíso no sul da Bahia revelou a intensidade das ligações fraternais perigosa entre Sérgio Cabral, Cavendish e as incontáveis licitações vencidas por este último em tudo o que é obra no governo do Rio de Janeiro na gestão atual.

COLLOR, O IMPOLUTO - O telejornalismo passou a semana especulando que, se Carlinhos Cachoeira já perdeu a liberdade, os amigos poderosos, o cabelo, a mãe (morreu há uma semana), mais de 10 quilos, portanto, já não tem nada a perder. Essa insinuação leva à especulação de que o bicheiro vai abrir a boca e que, assim sendo, proteja-se quem puder, pois se há algo que o Brasil sabe é que, em Brasília, essa Brasília cujos nomes frequentam CPIs, ninguém é inocente.

Coincidências à parte, até o pétreo e férreo José Sarney começou a semana enfartando. Mas falando-se da falta de inocência na CPI de Cachoeira, Demóstenes é fichinha: é ou não é o máximo das voltas que a história dá ouvir William Bonner e Patrícia Poeta anunciando que entre os senadores estrelados indicados para julgar a quadrilha empresarial e política do rei dos bingos de Goiânia está ninguém menos que o impoluto Fernando Collor de Mello?


Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.

quinta-feira, abril 5

de se deixar fotografar ajeitando o ovo no concreto, até pô-lo direitinho. Diante de cenas assim, protagonizadas por gente que nem admite ter puxado um fumo antes, como fizeram os gêmeos, e que é levada a sério por religiosos e poderosos, quem são mesmo os doidos, os surtados e os insanos?

TELEANÁLISE
ENTREVISTA COM O DIABO


Malu Fontes
A semana televisiva em Salvador foi marcada pela presença ostensiva dos gêmeos Diego e Diogo Leão, 27 anos, nos programas populares. Com direito a exibição e repetição exaustiva de vídeos com performances estranhas dos dois, nas emissoras e no YouTube, contendo cenas que iam de beijos na linha desentupidores de pia homoeróticos e incestuosos a frases desconexas e comportamentos para lá de nonsense na delegacia, os gêmeos bombaram como sensação da imprensa ‘facinha’. Os rapazes, de uma família de classe média da cidade de Mossoró (RN), chegaram a Salvador num carro da família, usado sem permissão, e com 9 mil reais, retirados de um cofre dos pais também sem consentimento.

OUTRO MUNDO - Aparentemente sob o efeito de drogas ou sob um surto psiquiátrico, Diego e Diogo foram presos em pleno rush na Avenida Paralela, o corredor de tráfego mais intenso de Salvador, acusados de causar riscos de acidente e de morte, própria e dos demais motoristas que trafegavam pelo local. Pararam o carro numa das pistas, atravessaram o canteiro central e foram para o outro sentido, deitando-se no asfalto quente para fazer flexões, correndo o risco de serem atropelados e causando perplexidade aos motoristas. Sim, todo mundo que leu sobre os gêmeos de Mossoró nos jornais, nos sites ou os viu na TV considerou-se diante de cenas do outro mundo.

Entretanto, diante do volume de cenas explícitas de surrealismo que desfilam diariamente na tela da TV, a maioria delas protagonizadas por gente que se leva e é levada a sério por milhões de telespectadores, os gêmeos de Mossoró podem se dar ao luxo de reivindicar, no panteão da hierarquia do nonsense, uma colocação bem baixa no ranking. Nos últimos dias, por exemplo, duas sumidades brasileiras a quem jamais se atribuiu surto por drogas ou por transtornos mentais protagonizaram cenas veiculadas na imprensa que deixam no chinelo as atitudes esquisitas de dois irmãos que resolvem fazer flexão no asfalto de um corredor de tráfego de alta velocidade. 

OVELHAS - Há algumas semanas, dois bispos nacionalmente famosos por estarem à frente de milhões de fiéis de duas igrejas neo-pentecostais, ambas ancoradas na teologia da prosperidade aqui e agora e disputando ovelhas e dízimos a tapa, vêm se engalfinhando diante das câmeras de TV. O roteiro e o repertório do confronto televisivo fazem os gêmeos parecerem crianças inocentes brincando de meninos maluquinhos num parquinho de playground. Qual telespectador, em perfeito estado de suas faculdades mentais, poderia crer que, em 2012, a televisão brasileira estaria tão evoluída ao ponto de proporcionar uma entrevista feita diretamente com o diabo e exibida como se fosse algo sério e real?  Sim, uma entrevista com o próprio: ‘sete pele’, pé-redondo, demo, satanás, lúcifer e todo o corolário de codinomes que o tal tem.

Pois não é que, para acusar o bispo 2 de satanismo e de associação com práticas diabólicas, o bispo 1 convocou o próprio diabo para ser entrevistado em sua emissora, comprada com o dízimo de suas ovelhas? O entrevistado, certamente mais sensato que seu entrevistador, embora tenha aceitado o convite para a entrevista, achou por bem não misturar sua diabólica imagem, construída há milênios e, portanto, com tanto a perder, com gente de tão má reputação e parece ter negociado algumas condições: pelo que tem se percebido, o diabo só aceitou falar, ou seja, ser entrevistado, se ‘encostado’ em alguma fiel endiabrada. O ‘sete pele’ entra numa pessoa na condição de encosto e através dela responde a todas e quaisquer perguntas, todas, claro, visando confirmar que o bispo 2 é seu afilhado envidio e que representa o mal absoluto do mundo. Confirma com todas as letras que tudo fará para destruir o bispo 1 e seus seguidores. Este, como digno representante de Deus, parece que ainda não conseguiu agendar com a assessoria de imprensa celestial uma entrevista com o Pai Eterno, para que o próprio confirme todas as boas intenções do bispo 1, sua filiação legítima ao céu e ao Bem Supremo. Mas, bem relacionado como é com as outras dimensões, o entrevistador não demora e convence os céus a falarem a seu favor.

OVO EM PÉ - Como se não bastasse bispos entrevistando o diabo na TV, eis que a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, mais apagada no cargo que as cinzas do incêndio causado há séculos por Nero, resolveu por um ovo em pé. Sim, não é ironia nem trocadilho. A irmã de Chico resolveu fazer isso na Linha do Equador. Talvez por achar que o lugar em si justificaria o ato, desse um pouco de dignidade e seriedade à coisa, a ponto de se deixar fotografar ajeitando o ovo no concreto, até pô-lo direitinho. Diante de cenas assim, protagonizadas por gente que nem admite ter puxado um fumo antes, como fizeram os gêmeos, e que é levada a sério por religiosos e poderosos, quem são mesmo os doidos, os surtados e os insanos? 

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Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 01 de abril de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA

domingo, março 25

Não, ninguém há de questionar que o Brasil ainda tem e terá por muito tempo bolsões gigantescos de pobreza, apesar...

TELEANÁLISE
MORRER NA PRAIA


Duas mortes, dois assassinatos, ocorridos em um intervalo de menos de uma semana, em Salvador, traduzem o cenário de convulsão social e de insegurança em que a cidade e seus moradores vivem mergulhados. Tarsis Santos Lima, 17 anos, assassinado no dia 02 de março na Passarela de um shopping enquanto se deslocava para trabalhar; Natália Penhalosa Duarte, 19 anos, assassinada com um tiro na cabeça, no dia 06 de março, por um assaltante na praia. Na TV, a propaganda oficial do Governo Federal diz há algum tempo que “país rico é país sem pobreza”. Não, ninguém há de questionar que o Brasil ainda tem e terá por muito tempo bolsões gigantescos de pobreza, apesar das transformações, para melhor, em termos de desenvolvimento econômico também decantadas dia sim e outro também nos telejornais que anunciam a chegada de muitos ex-pobres ao paraíso, chamado agora de Classe C.

Entretanto, o que a cobertura diária da imprensa e menos ainda da TV não dá conta é de esmiuçar as distâncias abissais que parecem ir se constituindo entre essa melhoria de vida da população e o crescimento assombroso dos índices de violência, sobretudo homicídios e latrocínios, em algumas grandes cidades brasileiras. E Salvador está entre os casos de destaque. Por mais que a TV, até por razões comerciais de sobrevivência, anuncie uma Bahia linda e eternamente sustentada numa tal magia que cada vez parece só funcionar na tela e com trilha sonora impecável, como convencer, hoje, sem recursos imagéticos e efeitos especiais, apenas no gogó, um turista a optar por Salvador para uma temporada?

FACÃO - O sistema de transporte inexiste, a cidade é mal cuidada, as opções de lazer só mínguam e parecem restringir-se ao Carnaval e a quem gosta de axé, ir ao Centro Histórico é uma sessão de luta corporal com vendedores e pedintes inconvenientes e grosseiros e ir à praia se tornou um comportamento de alto risco. O que parece um vendedor de cocos revela-se um assaltante armado com um facão ameaçando decepar mãos e cabeças de banhistas ao assaltá-los e usar uma máquina fotográfica ou um celular é um pedido explícito para receber um tiro no meio da testa. Qual o conceito de turismo numa cidade mergulhada neste contexto? Se assim, logo um slogan do tipo “venha a Salvador e ganhe uma chance de morrer na praia” fará mais sentido do que convidar um turista para um passeio no Abaeté. Aliás, quem se atreveria?

VOYEUR - Quanto ao assassinato do, no ou nas imediações do shopping, o retrato da barbárie que o circunda é o mesmo que traduz a da praia. O que o motivou, diz-se, teria sido a tentativa de ‘seguranças’ das imediações de impedirem um assalto a uma mulher na passarela que dá acesso ao estabelecimento, coisa corriqueira no local, também se diz. Em reação a um desses episódios, ‘homens de preto’ teriam atirado a esmo e matado Tarsis Santos, vendedor de milho e a uma semana de alistar-se no Exército. A moral dos dois fatos e das repercussões noticiosas que norteiam os dois casos é: os mais pobres devem evitar a passarela do shopping para fugir do risco de serem mortos por seguranças ou assaltados por ladrões e os turistas e banhistas devem evitar as praias de Salvador a qualquer custo, pois, abandonadas, sem infra-estrutura e sem segurança, podem ser um convite à morte pela violência. Não, ninguém quer morrer na praia. O programa seguro que parece restar é bancar o voyeur diante dos veículos de comunicação consumindo as mais novas estripulias sexuais e amorosas do prefeito da cidade.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmenteno jornal A Tarde, Salvador/BA